Estou grudado
no alto da porteira da mangueira das vacas. Lá embaixo o Duque late feito
doido. Avança, negaceia, avança de novo
– uma bruta valentia. É um ouriço acuado
junto ao mourão da porteira. Ele rodopia, se eriça todo – coisinha indefesa, só
tentando fugir do ataque. Mas de cada ataque o Duque é que foge, ganindo – um
choro longo e fino de doer na gente.
Estou
tremendo inteirinho aqui escanchado na tábua de cima da porteira. O Duque não
pode morder o ouriço; mas não desiste. Que dó que isso dá! Bicho besta, por que
não vai embora? Aí, teimando e se machucando. Também, que mal que fez o coitado
do ouriço, esse bichinho inocente. An? Inocente? Um monstro que caiu em cima do
Duque, todo escalavrado.
Um tiro de
repente. E a voz do meu pai:
– Menino, desce
daí!
E eu desço,
fazer o quê?
– Por aí não,
pelo outro lado.
– Por quê?
– Desce logo.
Eu sei que não
tem espinhos no chão. Ele deve estar cismado; eu obedeço.
– Vai lá
dentro buscar um alicate. Corre.
– Alicate?
– Tem que
ficar perguntando as coisas? Vai, vai duma vez.
Eu obedeço. O
Duque está lá encolhido num canto da cerca. Geme, geme baixinho.
Meu pai sabe
fazer as coisas direito, por que então não trata do Duque, fica pedindo
alicate?
– O que você
quer?
– O alicate,
mãe.
– Por que você
quer alicate?
– O pai que
quer, mãe.
– Põe no lugar
depois, hein?
– Sei.
– E não revira
esse baú.
Pego o
alicate, levo correndo. Na porta da cozinha escorrego, me esparramo no chão.
– Cuidado!
Sempre estabanado. Não precisa correr tanto.
Levanto, saio
mancando. Tinha que ir apressado. É que me lembrei do Duque.
Meu
pai está agachado. Está fazendo um carinho, consolando, passando a mão na
barriga do Duque; com a outra mão segura firme no pescoço, agarrando a pele.
Não fala nada.
Pega o alicate, segura mais forte, põe o joelho prendendo bem o Duque.
Pacientemente, devagar, com mão sábia, depois num arrancão tira espinho por
espinho.
O Duque deixa,
nem se mexe. Só chora, um chorinho desconsolado, lá do fundo. O focinho
pingando sangue.
Depois, some
um tempo. Não muito; na hora da janta está lá num canto da cozinha.
Minha mãe põe
a sopa de mandioca na mesa. Oba. Comemos com uma senhora satisfação. Mas logo
meu pai se irrita, está olhando o Duque:
– Bicho
imprestável!
– Ele não tem
culpa, pai.
– Por que é
que não tem?
Lá no seu
cantinho, aqueles olhos de dor. A gente percebe, uma aflição bem de dentro.
–
E o ouriço, pai?
–
Que é que tem?
–
Que é que o senhor fez com ele?
–
Ara! Nada.
Terminamos de
comer sem vontade, a sopona fumegando numa gostosura.
Não paro de
olhar para o Duque:
– Como que o
ouriço faz isso?
– Ara! Faz.
– O espinho
vai que nem flecha?
– É.
– E fura a
carne?
– Vai furando.
Se não tira vai indo para dentro.
– E agora?
– Agora vamos
fazer o quilo. Logo é hora de dormir.
– E o Duque,
pai?
– Ele sara.
– Ele não
comeu nada.
–
Quando a fome apertar, ele come. Sossegue, isso passa.
Meu
pai acaba de enrolar um cigarro, vamos para a varanda. Ainda olho o Duque; ele
abre os olhos, se bate de leve – uma tremura.
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